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Três Lagoas
domingo, 22 de dezembro de 2024

Contando prejuízo e rezando para não piorar, comerciantes tentam se manter em pé em Três Lagoas

Além do corte na folha de pagamento, empresários fazem malabarismo para se reinventar e não fechar as portas de uma vez por toda

(*) Gisele Berto e Ricardo Ojeda

Semana passada completou-se um ano desde que a pandemia foi confirmada no Brasil. Na ocasião, autoridades de saúde e sanitárias dos estados e municípios decretaram várias medidas de contenção de circulação que, ao mesmo tempo em que tentavam resguardar vidas, impactaram o cotidiano de milhões de famílias, ferindo de forma brutal o meio de sobrevivência financeira de cada uma delas, além de causar transtornos na economia das pequenas, médias e grandes empresas. Um beco sem saída.

Contando prejuízo e rezando para não piorar, comerciantes tentam se manter em pé em Três Lagoas
Foto registrada em 2020 no começo da pandemia quando as autoridades de saúde decretaram o isolamento total e o SAMU fez uma campanha conscientizando a população para ficar em casa (Foto: Assessoria)

Algum tempo depois o comércio foi reaberto, obedecendo a uma série de restrições no atendimento, com horários reduzidos, toque de recolher e redução no número de clientes. Era necessário se adaptar.

SONHOS ADIADOS

Muitas contaminações e mortes ocorreram desde então. Só no estado são mais de 3.400 óbitos. Além de famílias destroçadas, o coronavírus deixou sonhos adiados, comércios e empresas fechadas, causando desemprego e fome.

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Boletim SES de 8 de março de 2021 mostra o avanço das mortes no estado

Três Lagoas só não sofreu mais com o impacto do desemprego porque mais de 10 mil pessoas, de forma direta, são empregadas das indústrias de celulose que, ao contrário de outras, cresceram na pandemia, devido ao alto consumo de produtos à base da commodity, como EPIs hospitalares.

Quando parecia que tendia a melhorar, novas ondas e variantes do vírus chegaram avassaladoras. E uma pergunta ficou no ar: até quando?

O COMÉRCIO AGONIZA

O comércio mostra mais claramente os impactos das ações tomadas para restringir a circulação de pessoas. Estabelecimentos que vivem da aglomeração, como bares, restaurantes e espaços de eventos, sofrem mais duramente.

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A foto foi registrada no mês de março de 2020 e mostra um fiscal da Vigilância Sanitária orientando as pessoas para não se aglomerarem (Foto: Ricardo Ojeda)

A saída para sobreviver foi o enxugamento absolutos das despesas. A primeira medida foi a redução da equipe. Do dia para a noite centenas de trabalhadores foram desligados da empresa, causando uma grande preocupação social na cidade.

Muitos que trabalhavam há anos nos estabelecimentos ficaram sem sua ocupação e consequentemente seus ganhos.

Ao demitirem, os empresários fizeram os acertos trabalhistas, situação que comprometeu ainda mais seu capital de giro. Em questão de tempo eles sentiram o baque nas suas economias, virando um efeito cascata atingindo os fornecedores que tiveram que entender a situação, concedendo mais prazos, além de negociarem os títulos atrasados.

A receita de vários comerciantes foi ficando no vermelho, tendo que recorrerem a empréstimos bancários. Alguns conseguiram honrar os compromissos com o banco, outros não, aumentando a estatística de inadimplência.

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Após vários dias com as portas fechadas, a imagem registra o momento da reabertura do comércio no ano passado (Foto: Ricardo Ojeda)

MOMENTO MAIS CRÍTICO

“O momento é o mais crítico desde março de 2020, quando fechamos pela primeira vez”, disse, em entrevista ao Perfil News, o Presidente da Associação Comercial e Industrial de Três Lagoas, Fernando Jurado.

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De acordo com Jurado, o momento é muito crítico (Foto: Assessoria)

De acordo com Jurado, não há uma estimativa oficial sobre quantos CNPJ foram encerrados desde o início da pandemia, mas o Presidente da ACITL acredita que cerca de 15% dos comércios da cidade tenham fechado definitivamente neste período.

“Uma coisa é certa”, disse. “Se voltarmos a ter outro fechamento, o comércio varejista não vai resistir. Muita gente vai fechar para não abrir mais”, prevê.

CORTANDO ONDE DÁ

Diante do quadro com números negativos, era preciso encontrar uma saída para não terem que fechar as portas. Uma delas foi investir nas redes sociais, com campanha de atendimento delivery.

Os proprietários de bares, restaurantes, pizzarias, hamburguerias e afins encontraram nesse sistema uma forma de driblar a crise e ampliar a clientela que evita de sair de casa para evitar aglomeração.

Essa opção de atendimento catapultou o segmento de motoboys, dando inclusive oportunidades até para os desempregados fazerem um bico atuando nas entregas.

CORTE NA EQUIPE

A reportagem do Perfil News conversou com dois empresários do ramo de gastronomia. Um deles é o William Ishibashi, de um tradicional restaurante de comida oriental. Segundo ele, devido à crise, teve que reduzir em 50% seu quadro de colaboradores.

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“Antes de tudo começar minha equipe era composta de 40 profissionais, mas infelizmente tive que reduzir para 20, senão eu não aguentava tocar o restaurante. Meu movimento caiu mais de 50% e da mesma forma o faturamento. Tem meses que tenho que buscar financiamentos para honrar o salário deles”, disse, constrangido.

Ele falou ainda espera a situação melhorar, porém não tem pode esperar muito tempo porque a situação econômica da empresa pode chegar a uma situação insuportável, sem volta.

SITUAÇÃO SEM VOLTA

Outro comerciante que falou com a reportagem foi o sócio da SK Burger, Siltarison Aguiar Veiga. De acordo com ele, se a situação se alongar por mais meses ficará incontrolável, “sem volta, pelo menos para mim”, disse.

Siltarison é natural de Corumbá, mas trabalha em Três Lagoas há 4 anos, na hamburgueria tem sociedade com seu irmão, Silmaik Aguiar Veiga. Antes da crise eles empregavam uma equipe de 12 pessoas, mas teve que ser reduzida por menos na metade.

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Siltarison, da SK Burger. Foto: Ricardo Ojeda

Ele conta que, até algum tempo atrás, seu capital de giro era de empréstimos bancários. Agora ele ficou sem essa saída, já que o crédito foi cortado.

Desolado ele contou que “como está não para continuar”. “Os governos, seja da esfera municipal, estadual ou federal, têm que fazer alguma coisa, uma medida que auxilie a nossa classe. Se algo não for feito não vamos aguentar, teremos que fechar as portas”, disse.

SUANDO PARA SE MANTER EM PÉ

A empresária e dona da academia Top Fit, Fernanda Garcia Xavier, não acredita que academias passem por novo fechamento. “Academia se tornou atividade essencial para a saúde física e mental. Se exercitar é primordial, assim como escovar os dentes”, exemplificou.

Entretanto, Fernanda acredita que o ramo possa sofrer com novas restrições como diminuição do número de alunos e cuidados extras, mas nada a que ela já não tenha se acostumado. “Seguimos todas as recomendações do CREFI (Conselho Regional de Educação Física) e todos os cuidados estipulados pelo Decreto Municipal quanto a número de alunos, higienização, distanciamento”, diz.

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A professora Fernanda Garcia teve que se reinventar durante vários meses para poder continuar trabalhando e hoje ela possui sua própria academia (Foto: Divulgação)

Entretanto, caso as academias sejam novamente fechadas, ela afirma já ter um Plano B – o mesmo que usou no início da pandemia, no ano passado: investir nas aulas online.

“Como eu não trabalho com musculação, que envolve grandes equipamentos, eu consigo desenvolver um trabalho enviando kits de materiais para a casa dos alunos, e assim continuamos com as aulas de forma remota”, afirmou.

A estratégia, segundo Fernanda, funcionou bem no ano passado. “Tive alunos até de outro país, de outras cidades. O negócio chegou a crescer. Mas não pretendo seguir por esse caminho a não ser que sejamos obrigados, porque o ideal é que o trabalho seja feito presencial, mesmo”, disse.

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Fernanda não acredita em um novo fechamento de academias. “Se exercitar é primordial, assim como escovar os dentes”. Foto: Divulgação

De toda forma, Fernanda está de olho nas próximas publicações da Prefeitura, mas torce para que não haja novo fechamento. “Especialmente para quem tem pouco tempo de empresa, como eu, o prejuízo seria muito grande. Estamos pedindo a Deus que a situação melhore e que não precisemos fechar novamente”, afirmou.

PREJUÍZO IMENSO

Outro setor que sofreu bastante com a pandemia foi o de eventos. Um dos maiores do ramo na cidade, o Grupo Papillon precisou cortar pessoal e tentar coisas novas.

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Ao centro, o empesário, Manoel Custódio de Queiroz Neto, com os filhos Eduardo e Luiz Guilherme, que administram o Grupo Papillon (Foto: Divulgação)

“Nosso ramo, tanto locações de materiais quanto eventos foi bastante afetado. Estamos pensando em atender como restaurantes, apesar de este setor estar bastante afetado, principalmente pelos horários”, afirmou o empresário Manoel Custódio de Queiroz Neto.

O Grupo Papillon precisou cortar 10% da folha de pagamento. Segundo ele, a empresa tentou criar novos formatos de eventos, mas a adesão por parte dos clientes foi muito baixa, mesmo porque todos eles ferem a regra número 1 para evitar o contágio: por definição, eventos significam aglomeração.

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Um dos salões de festa do Grupo Papillon há meses sem atividades, porém gerando custo para sua manutenção (Foto: Luiz Guilherme)

Segundo Neto, a situação não é fácil e o grupo não sabe quanto tempo mais consegue suportar. “Já fechamos um espaço e estamos relutando para não ter de fechar os outros”, disse.

“O prejuízo nesse setor é imenso. Esperamos cortar com o apoio dos governos federal, estadual e municipal para a isenção de impostos para os setores que estão amargando esse intenso prejuízo. Entre os custos de manutenção dos espaços, encargos, folha de pagamento fica em mais 80 mil por mês”, afirmou.

A PALAVRA É “REINVENTAR”

Quando a pandemia passou a assombrar Três Lagoas um dos momentos mais complicados foi o fechamento da feira livre. Sem o espaço para mostrar e vender seus produtos, feirantes se viram em um beco sem saída – ou quase.

A luz no fim do túnel veio da tecnologia. Grupos de whatsapp começaram a pipocar na cidade. Pessoas que nem eram clientes regulares da feira passaram a frequentar esses grupos, encomendando de legumes a carne de porco, passando por ovos e pamonhas.

Desde então, os grupos continuam operantes e diversificaram a quantidade de produtos vendidos. Além disso, um cliente indica o grupo para outro, criando uma forma de divulgar o trabalho de todos.

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Diana (à frente) e a irmã ajudam a mãe na interação com os clientes.

Uma das feirantes mais antigas da cidade, dona Alice Aparecida da Silva, de 63 anos, contou com a tecnologia e o apoio da família para vencer dois desafios: continuar vendendo com a banca fechada e se habituar a um ambiente completamente novo: as redes sociais.

DA BANCA PARA O WHATSAPP

Com 19 anos de feira, dona Alice sabe tudo do relacionamento com os clientes “ao vivo”. Mas precisou se reinventar para atender também via WhatsApp. Para isso, ela contou com a ajuda das filhas. “Minha mãe não tem formação acadêmica e tem dificuldades para lidar com as redes sociais, mas ela tem muita experiência atrás de um balcão. Com isso conseguiu dar para mim e para a minha irmã uma formação universitária e esse foi o momento de fazermos a nossa parte, a ajudando a manter a saúde dela e da empresa”, afirmou a filha, Diana.

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Dona Alice tem uma banca onde vende carne de porco e derivados. Desde março do ano passado o fluxo de pessoas na feira caiu, porque muitas pessoas têm receio de voltar às ruas. “Precisamos nos reinventar”, disse Diana. “Precisamos criar um modelo de trabalho diferente”, contou.

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Segundo ela, assim como sua mãe, a maioria dos feirantes é do grupo de risco, então é necessário o apoio dos familiares. “Precisamos criar uma forma das pessoas comprarem, mas não precisarem ir à feira, ou ficarem o menor tempo possível lá. Por isso passamos a oferecer os produtos pelo WhatsApp”.

Elas trabalham, agora, com encomendas. “Mandamos tudo pelo WhatsApp, o cliente escolhe, nós separamos e ele pede para alguém retirar na feira. Pode ser um filho, um cuidador ou mesmo um Uber. A ideia é que a pessoa fique o menor tempo possível circulando. Ele não precisa ficar lá escolhendo e esperando, é só chegar, pagar e pegar”, disse Diana.

Segundo ela, essa é uma forma de manter as bancas funcionando mas, mais do que isso, assegurar a saúde da mãe e dos colegas de feira. “Estamos em uma pandemia e precisamos contribuir para deixar o momento menos difícil, mesmo porque não sabemos o que vem por aí”, diz.

“Nós sabemos que, caso venha a fechar, será por motivo de proteger a saúde. Não é bom que feche, as pessoas dependem disso. Mas precisamos seguir o que é proposto, não podemos colocar ninguém em risco”, conclui.

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