A violência doméstica se apresenta de formas diferentes e não apenas através da forma física, que é de conhecimento mais comum
A violência contra a mulher acontece sistematicamente em todo o mundo por questões de gênero. A mulher é agredida porque é mulher. Os crimes vão desde assédio moral até feminicídio. Quando uma pessoa é agredida por ser – mulher, transexual, travesti, homossexual – pelo sexo oposto é violência de gênero. Esses crimes são a maior maneira de violar os direitos humanos da mulher, sua integridade física, psicológica e moral.
Rozana de Oliveira Gomes é advogada e realiza diversos trabalhos de defesa a mulher na cidade de Três Lagoas. Ela explica que a compreensão da necessidade de uma advocacia feminista, feita de mulheres e para mulheres, veio aos poucos e com a vivência da profissão, na prática.
PERFIS ESPECÍFICO
“Hoje nosso escritório Gomes & Assunção advocacia, onde tenho como sócio meu esposo, atende diversas vítimas, desde donas de casa a médicas, policiais, professoras, etc. A violência não escolhe grau de escolaridade muito menos classe social. Os agressores são também os mais diversos possíveis, costumam ter perfis específicos, são geralmente considerados cidadãos comuns. Identificar um agressor de mulher não é tarefa simples. Em geral, este criminoso não tem características aparentes como a arma em punho de um assaltante. Em muitos casos, sequer possui antecedentes criminais. A violência doméstica está impregnada na nossa sociedade de tal forma que ela fica invisível”, explicou.
Conforme a advogada, conforme o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
TIPOS DE VIOLÊNCIA
A violência doméstica se apresenta de formas diferentes e não apenas através da forma física, que é de conhecimento mais comum. São elas: violência física, psicológica, patrimonial, moral e sexual.
Tais violências são cometidas por vários motivos, de ordem social – configuração do patriarcado –, cultural, religiosa em todo o mundo. O maior tipo de violência contra a mulher não é realizada em público – como acontece com os homens, que agem de maneira violenta entre si publicamente –, mas sim em âmbito privado. Principalmente cometida por pessoas que a mulher conhece, como parentes, amigos, cônjuges ou pessoas com quem ela se relaciona.
A violência contra a mulher acontece, principalmente, por um lugar social menor dela frente ao homem. Diz-se que são papéis assimétricos. A mulher na história ocidental é colocada como submissa e não como a provedora, como a pessoa que sustenta a casa, como a pessoa que pode ser independente. O sistema social é o do patriarcado, que significa que a figura do homem é enxergada como a que sustenta a família e paga as contas.
Fora isso, há também características intrinsecamente atreladas à imagem do homem, como a demonstração de força, de ser uma pessoa incisiva, determinada e corajosa. Já a mulher é vista como sensível, neutra, delicada, passiva; tudo o que reforça uma ideia de fraqueza. Essa imagem social, concebida pela maioria das pessoas como algo verdadeiro, reforça a ideia de superioridade do homem sobre a mulher. A ideia da submissão feminina é, pois, um dos motivos pelos quais as mulheres são tratadas com desprezo, discriminação e preconceito.
“A desigualdade de gênero estrutural, essa cultura que trata com desigualdade, que subjuga as mulheres por seu gênero, é a principal causa da violência contra a mulher. A cultura em questão não valoriza a mulher como um sujeito de direitos, como um ser, mas trata-a como um objeto que pode ser usado por homens”, destaca Rozana.
IMPACTOS DA VIOLÊNCIA
A violência sofrida pela mulher pode refletir em numerosos traumas e doenças durante sua vida. Em fatos sutis, como não se sentir apta a estudar porque é considerada inferior, a buscar um futuro melhor ou ir em busca de independência. Pode gerar incapacidades, como a de não conseguir expressar suas opiniões na casa da família, ser silenciada frente a outras pessoas ou menosprezada por ser mulher. Tudo isso é reflexo da violência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstra a necessidade em descobrir os autores dos crimes cometidos contra as mulheres, a fim de criar um ambiente melhor para a vida feminina. O impacto da violência da saúde pode ser demonstrado também por doenças como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, suicídios, transmissão de infecções e aids.
Desde 1979, a ONU criou a Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, assinada pelo Brasil e por diversos países que assumiram tal compromisso. Todas as formas de violência contra a mulher são prejudiciais para o desenvolvimento da mulher em diversos âmbitos.
“A violência contra a mulher põe em grande risco a saúde mental das vítimas. Isso acontece por diversos motivos. Além da agressão psicológica, que diminui a sua autoestima, a mulher privada de relações saudáveis pode sofrer com ansiedade e depressão. A violência também pode causar na vítima o sentimento de culpa ou vergonha”, pontua a advogada.
Rozana diz que a partir de balanço dos relatos recebidos pelo Ligue 180 (serviço telefônico de utilidade pública, em âmbito nacional, destinado a atender gratuitamente mulheres em situação de violência), mostram que nos dez primeiros meses de 2022 o Brasil registrou 63.090 denúncias de violência contra a mulher – o que corresponde a um relato a cada sete minutos no País.
“A mulher tem dificuldade de se ver como vítima, de culpabilizar o relacionamento abusivo e violento dentro de casa. Ela teme ser incompreendida na justiça, na família. Tem medo e vergonha de expor sua privacidade publicamente e ser desacreditada. Cabe salientar que são cada vez mais necessárias discussões sobre a importância de uma ação dirigida à educação, que objetivem dar visibilidade e garantia de espaço ao debate e às ações dirigidas ao enfrentamento da violência contra a mulher em nosso país e no mundo, além da sensibilização da opinião pública com relação à defesa dos direitos humanos das mulheres”.
COMO FAZER UMA DENÚNCIA?
Ainda segundo a advogada, quem sofre violência doméstica pode procurar ajuda ligando 180, serviço de informações e denúncia da Central de Atendimento à Mulher funciona 24h por dia e garante o anonimato da vítima. Em casos de emergência, é necessário ligar para a polícia no número 190 ou procurar uma das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), que têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal dos casos de violência contra a mulher, respeitando os direitos humanos e os princípios do Estado Democrático de Direito. Vizinhos, conhecidos ou familiares também podem fazer a denúncia.