“Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, substituir o Poder Legislativo”, afirma o advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins
Em recente entrevista o ministro Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou que ao a ssumir a presidência da Corte, no dia 28 de setembro, colocará em pauta diversos temas que ele considera relevantes, mas, segundo avaliação do advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins, tais temas deveriam ser matéria de discussão no Poder Legislativo.
Gandra lembra que acompanhou os debates e trabalhos da Constituinte em 1987-1988 e que conversava com Bernardo Cabral, o relator, com o presidente Ulisses Guimarães, com os diversos presidentes de subcomissões e de comissões, José Serra, Dornelles, Delfim Neto, Roberto Campos, e que todos trabalharam para que a Carta Magna mantivesse um equilíbrio entre os Poderes, todos harmônicos e independentes.
O jurista diz ainda ter a sensação de que “se os Poderes não forem harmônicos, independentes, dentro dos exatos limites das suas competências, não haverá segurança jurídica no país”.
Veja a análise do advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins sobre os limites e a competência do Supremo Tribunal Federal.
Pacto federativo, sistema tributário, harmonia entre poderes
“Tenho pelo ministro Luís Roberto Barroso uma longa amizade e uma permanente admiração. Trabalhamos juntos naquela comissão que o ex-presidente Sarney, então presidente do Senado, em 2012, chamou de a Comissão dos Notáveis para repensar o Pacto Federativo. Éramos apenas 13 membros. O presidente da comissão era o ministro Nelson Jobim, participavam, entre outros, o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel (relator) e tínhamos elementos como Paulo Barros de Carvalho, Bernardo Appy, João Paulo dos Reis Velloso (que tinha sido ministro na época do governo militar), enfim, pessoas que estavam dando uma bela colaboração no repensar o Pacto Federativo e o sistema tribut ário brasileiro.
Escrevemos livros juntos, participamos de palestras juntos, divergimos muito, mas a divergência sempre em termos bastante elevados.
Certa vez, o ministro Marco Aurélio nos convidou para falarmos sobre a eutanásia, ele defendendo a eutanásia, eu contra a eutanásia, com respeito ao direito à vida, em palestra presidida pelo ministro Carlos Ayres Britto, e foi muito agradável no Rio, em Brasília, na faculdade dirigida pelo ministro Marco Aurélio de Mello.
Faço essa introdução para dizer o quanto gosto do ministro Barroso. O tratado de direito constitucional que eu e o ministro Gilmar Mendes coordenamos pela editora Saraiva, do qual, o primeiro estudo substancial, foi apresentado e escrito pelo ministro Barroso, um estudo pelas diversas constituições do Brasil sobre a evolução do direito constitucional no Brasil, é muito bom.
Por que estou dizendo tudo isso?
Porque li recente entrevista, na qual o ministro Barroso declarou que, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, colocará em pauta diversos temas que ele considera relevantes, mas que são matérias para serem discutidas no Poder Legislativo.
Estou convencido da função do Poder Legislativo como eu vi, como participei, como senti, durante a Constituinte de 1987-1988. Essa competência é exclusiva do Legislativo. Eu vi os debates, conversava com Bernardo Cabral, o relator, com o presidente Ulisses Guimarães, com os diversos presidentes de subcomissões e de comissões, José Serra, Dornelles, Delfim Neto, Roberto Campos, e todos eles queriam ter, pela primeira vez, um equilíbrio entre os Poderes.
Todos os Poderes harmônicos e independentes. Nós tínhamos saído de um regime em que havia um poder dominante, que era o Poder Executivo, e dois poderes menores, que, enfim, eram levados pelo Poder Executivo.
Então, os constituintes debateram para que cada Poder exercesse as suas funções, por essa razão é que puseram do artigo 44 a 135 da Constituição, o mais longo título da Constituição, exclusivamente para definir, de forma exaustiva, a competência de cada um dos Poderes.
STF, Legislativo e Segurança Jurídica
“Então, há certos assuntos que o Legislativo pode decidir e outros que não pode decidir, porque se o Legislativo sentir que a vontade popular é que aquela matéria apresentada não seja decidida, o Poder Legislativo não decide.
E não cabe, a meu ver, ao Supremo Tribunal Federal, substituir o Poder Legislativo e dizer que, como os senhores não legislam, nós vamos legislar; essa competência não foi dada ao Supremo Tribunal Federal. O artigo 49, inciso 11, declara explicitamente que cabe ao Poder Legislativo zelar por sua competência normativa, de fazer leis, perante os outros dois Poderes, isto é, o Poder Judiciário e o Poder Executivo, não permitindo que eles invadam a competência do Poder Legislativo. Vamos dizer, por exemplo, drogas, MST, invasões de terra, aborto.
Então, assuntos como esses, em que o Supremo diz “vocês não estão legislando, nós vamos legislar”. É inadequado o Supremo legislar; eles não foram eleitos pelo povo.
O artigo primeiro da Constituição Federal é muito claro ao dizer que a soberania é exercida pelo povo, e só dois Poderes representam o povo, aqueles que são eleitos pelo povo, o Executivo e o Legislativo, essa é a razão pela qual, apesar da grande admiração que tenho pelo ministro Luís Roberto Barroso – e ele sabe disso porque eu tenho reiterado isso em livros, em pareceres, em palestras -, não posso concordar que, ao assumir a presidência do STF, em 28 de setembro, ele vá pretender considerar que o Poder Legislativo mais importante do país é o Supremo. E, afirmar que “sempre que o Legislativo não legislar, nós vamos legislar no lugar”. Não. Não acredito que ele pense assim.
Tenho a sensação de que, enquanto nós não voltarmos para aquilo que os constituintes de 1988 desejaram, de fazer com que os Poderes sejam harmônicos, independentes de cada um, dentro dos exatos limites das suas competências, nós não teremos segurança jurídica no país.
E por mais brilhantes que sejam, e são brilhantes os ministros da Suprema Corte, creio que, no momento que eles se transformam em Poder Legislativo, nesse momento, não só a Constituição -que foi promulgada e desejada pelos constituintes de 1988, de cujas audiências públicas participei, estive presente e comentei com Celso Bastos a Constituição em 15 volumes, durante dez anos, de 1988 a 1998 -, mas também aquela harmônica independência que nós queríamos naquela época, ela passa a ser probada. E não temos segurança jurídica.
Conheço o valor, o mérito extraordinário que tem o ministro Luís Roberto Barroso, que considero um dos maiores constitucionalistas do Brasil. Gostaria muito de refletir sobre isso.
Estou convencido de que enquanto o Supremo não voltar a ser o que era na época do ministro Moreira Alves, do ministro Sidney Sanches, do ministro Cordeiro Guerra, do ministro Ilmar Galvão, dos ministros Oscar Correia, dos ministros que fizeram a história do Supremo, nós não teremos segurança jurídica. Não teremos segurança jurídica. Afirmo: o que o Brasil mais precisa nesse momento é de segurança jurídica.”
Ives Gandra da Silva Martins é advogado tributarista/constitucionalista, professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).