Criadores de novilhas zebuínas leiteiras que se destacaram na 8ª Prova Brasileira de Produção de Leite a Pasto do Zebu Leiteiro no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas (CTZL) da Embrapa Cerrados, organizada em conjunto com a Associação dos Criadores de Zebu do Planalto (ACZP) e a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), receberam a premiação na última quinta-feira (6). O evento contou com a presença de cerca de 50 produtores, autoridades, pesquisadores, lideranças e técnicos de entidades parceiras.
Realizada desde 2014, a prova zootécnica visa identificar, entre animais contemporâneos, as melhores novilhas das raças Gir, Guzerá e Sindi que se destacarem, durante 305 dias de lactação, em produção de leite, composição e qualidade do leite, idade ao parto, intervalo do parto à concepção, persistência de lactação e conformação racial, atributos que compõem o Índice Fenotípico Geral (IFG) utilizado na classificação dos animais em elite (IFG acima do desvio-padrão de 1,5 da média geral do grupo), superiores (IFG abaixo de 1,5 do desvio padrão até a média) e regulares (abaixo da média).
“Com a mensuração de lactações completas, buscamos selecionar os animais mais equilibrados, e com o IFG conseguimos identificar os mais produtivos, com precocidade sexual, fertilidade e maior persistência de lactação, valores importantes para qualquer produtor, pois agregam financeiramente à fazenda”, explicou o pesquisador Carlos Frederico Martins, coordenador das avaliações.
“A ideia principal era realizar uma avaliação numa condição de produção sustentável e que retratasse a realidade da maioria das propriedades dos produtores de leite, permitindo a mensuração da possibilidade de uma produção economicamente viável de leite”, acrescentou o técnico da ACZP Marcelo Toledo.
A 8ª edição teve duração de 13 meses, sendo dois de adaptação e 11 de avaliação, com a inseminação das novilhas realizada nos meses de março e abril de 2022; os partos ocorreram entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023. Participaram 15 novilhas da raça Gir, sete da raça Guzerá e cinco da raça Sindi, provenientes de criatórios do DF e dos estados de Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Bahia e Paraíba.
Os animais são alimentados a pasto no período chuvoso e suplementados com silagem de milho no período seco. Além disso, recebem ração durante as ordenhas, de acordo com a produção de leite (1 kg de ração para cada 3 kg de leite produzidos por cada animal) O controle leiteiro é realizado conforme as normas do Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ Leite) da ABCZ. As novilhas são ordenhadas com a presença do bezerro ao pé, sem o uso de indutores da lactação.
Resultados finais
Na classificação pelo Índice Fenotípico Geral (IFG), ficaram na primeira colocação:
- Raça Gir – GZ União VIII (MRTG 190), da Fazenda Três Poderes (DF), com o IFG de 124,8% (considerando-se 100% como o percentual atribuído à média geral dos animais da raça na Prova);
- Raça Guzerá – Primazia JMS (JMHB 193), da Fazenda Cajazeira (Mundo Novo/BA), com IFG de 181,1%;
- Raça Sindi – Natureza (MDVS 3480), da Fazenda Carnaúba (Campina Grande/PB), com IFG de 159,2%.
Acesse aqui a classificação final completa por IFG
Nesta edição, também foram agraciados os animais que se destacaram nos atributos produção de leite em 305 dias, persistência de lactação e intervalo parto e concepção em cada raça:
Raça Gir
- 1º lugar em produção de leite em 305 dias: Bruma da Epamig (FGP 3041) – Epamig – 4525 kg/lactação
- 1º lugar em persistência de lactação: Sela (ZIP 758) – Emilio da Maia de Castro – 88%
- 1º lugar em intervalo parto e concepção: Flora (BRGY 122) – Embrapa Cerrados/CTZL – 85 dias
Raça Guzerá
- 1º lugar em produção de leite em 305 dias: Primazia JMS (JMHB 193) – Fazenda Cajazeira – 2802,5 kg/lactação
- 1º lugar em persistência de lactação: Hipotenusa D (MDVG 8063) – Fazenda Carnaúba – 62%
- 1º lugar em intervalo parto e concepção: Primazia JMS (JMHB 193) – Fazenda Cajazeira – 76 dias
Raça Sindi
- 1º lugar em produção de leite em 305 dias: Natureza (MDVS 3480) – Fazenda Carnaúba – 2408,4 kg/lactação
- 1º lugar em persistência de lactação: Natureza (MDVS 3480) – Fazenda Carnaúba – 74%
- 1º lugar em intervalo parto e concepção: Halma Pé da Serra (JMAD 401) – José Eduardo dos Anjos – 86 dias
Martins agradeceu aos colegas da Embrapa Cerrados, à ABCZ e à ACZP pela parceria e, em especial, aos criadores por viabilizarem a realização de mais uma edição da Prova: “São eles que depositam confiança trazendo os seus animais. Eles entendem a importância de mensurarmos os indicadores zootécnicos em um sistema de produção sustentável de leite a pasto e de baixo custo, sem artificialismos”.
Criadores ressaltam qualidade da avaliação
O técnico da ACZP Marcelo Toledo não apenas trabalha na Prova desde a primeira edição, como também inscreve animais próprios da raça Gir Leiteiro e Sindi na avaliação. “Sempre acreditei nesse projeto e, sabendo da importância dele em termos de difusão na realidade do sistema de produção brasileiro, também comecei a apoiá-lo como produtor”, explicou. Nesta edição, sua novilha GZ União VIII foi a primeira colocada na classificação geral da raça Gir Leiteiro.
Ele faz questão de contar sobre a própria experiência para deixar um recado aos produtores que ainda não participam da Prova: “Minha fêmea campeã é filha de uma vaca que foi terceira colocada na 2ª Prova e primeira em persistência de lactação. Pensando em viabilidade econômica na produção de leite, temos que buscar a eficiência nessa característica. Sabemos que nas raças zebuínas o pico de lactação ocorre muito precocemente, depois a lactação cai e às vezes se encerra com quatro meses”, explicou, lembrando que o ideal é que o animal tenha seis meses de avaliação da lactação.
Toledo acrescenta que o Índice Fenotípico Geral teve as correlações aprimoradas com o passar dos anos, com a incorporação de características importantes que antes não eram mensuradas, como a idade ao primeiro parto, que é um fator de correção para animais mais velhos e animais mais jovens. “Estabelecemos um lastro do quanto isso é importante geneticamente para o criatório. Se você faz um processo de seleção focado em melhoramento genético e buscando esse tipo de mensuração de características que dão viabilidade econômica, colherá resultados positivos lá na frente”, explicou.
Proprietário da novilha Primazia JMS, melhor classificada geral na raça Guzerá, o criador Guto Trindade decidiu participar pela primeira vez da Prova após se informar com a Embrapa Cerrados e com criadores que já haviam inscrito animais na avaliação. “Tivemos a intenção de ter um Guzerá com números, independente do resultado da Prova. Queríamos validar a aferição e mostrar a potencialidade do Guzerá de produzir a pasto”, afirmou.
Mesmo satisfeito com a premiação logo na estreia na Prova, ele ressalta que o mais importante é identificar materiais genéticos superiores para multiplicação. Ele também está participando da 9ª edição da Prova, iniciada em outubro do ano passado, com quatro novilhas. “A ideia é sermos parceiros do CTZL e de outras aferições, seja de ganho de peso, de produção de leite, de fertilidade para divulgarmos a raça Guzerá e mostrar o potencial de uma produção a pasto satisfatória, obtida a baixo custo”, comentou.
Assim como Marcelo Toledo, Trindade defende o estímulo à participação de mais criadores. “É uma prova muito sincera. Os animais têm um período de adaptação e ficam no mesmo lote, com os mesmos manejos, suplementação, ordenha, tudo. Não é um comparativo de raças, mas cada animal vai se destacando na produção de leite, na fertilidade, na persistência de lactação ou no peso do bezerro ao desmame. Nossa novilha, por exemplo, desmamou um bezerro de 250 kg. Quer dizer, é leite mais bezerro, é dinheiro no bolso do produtor”.
Joaquim Vilar é o proprietário da novilha Natureza, classificada em primeiro lugar geral na raça Sindi, além de ter inscrito outro animal Sindi e duas novilhas Guzerá. Ele lembrou que essas raças são milenares e foram moldadas nos pré-desertos da Índia, produzindo carne e leite a partir de pastos de baixa qualidade e alimentando um dos países mais populosos do mundo. Dessa forma, constituem ferramentas importantes para a segurança alimentar do Brasil e do planeta.
O criador observa, no entanto, que há no País uma corrente de produtores que supertratam os zebuínos. “Nosso entendimento é de que isso será ruim para raças rústicas como essas, selecionará animais para processar pastagens excelentes e turbinados com o uso de medicações, num processo que chamo de ‘taurinização’ do zebu, que o afasta da sua essência, da rusticidade, criando rumens frágeis”, alertou.
Para Vilar, a Prova, por outro lado, permite selecionar o zebu autêntico, moldado para transformar pasto em proteína nobre para consumo humano, com a produção de leite e carne a partir de capim. “Nisso o zebu é imbatível e para isso ele foi feito e deve ser selecionado nesse ambiente. Dessa forma, inclusive, ele proporcionará uma base muito melhor para efeito de cruzamentos e a produção do melhor F1 (filhos da primeira geração), esse sim voltado a uma produção mais intensificada, caso seja necessário”, disse.
A Prova Brasileira de Produção de Leite a Pasto do Zebu Leiteiro tem o apoio da Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro, da Associação Brasileira dos Criadores de Sindi (ABCSindi), da Associação Guzerá do Cerrado, do Hospital Veterinário de Grandes Animais da Universidade de Brasília, da Associação Brasileira dos Produtores de Leite, da Federação da Agricultura e Pecuária do Distrito Federal (FAPE-DF), do Sindicato dos Criadores de Bovinos, Bubalinos e Equídeos do DF, da Fazenda Asa Branca, da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, da Emater-DF e da Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do DF (Seagri-DF).
Uma década de avaliações zootécnicas no CTZL
O evento de premiação também marcou os 10 anos de realização da Prova Brasileira de Produção de Leite a Pasto no CTZL e contou com a presença de atores importantes na estruturação do centro e na idealização da prova, como os ex-chefes gerais da Embrapa Cerrados Roberto Teixeira Alves (2003-2008) e José Roberto Peres (2011-2016), o pecuarista Paulo Horta Barbosa da Silva e o ex-governador do DF Rodrigo Rollemberg, atual secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O chefe geral da Embrapa Cerrados, Sebastião Pedro, ressaltou que o Brasil deve bater o recorde de importação de leite em 2024 e que o setor lácteo deve passar por grandes transformações. “O Cerrado brasileiro é o lugar mais competitivo do mundo para produzir soja e milho, mas aparentemente não produz leite. É um enigma para solucionarmos. Por que não produzirmos capim para fazer volumoso para alimentar os animais? Temos condições e tecnologias para produzir um volumoso barato. O modelo atual de produção de silagem de milho parece não fazer sentido por ser muito caro”, comentou.
Ele apontou que a Prova, que avalia animais em pastagem, pode ser o início de uma revolução que trará uma nova realidade para a produção de leite no Brasil. “Acreditamos que a solução é uma pecuária de leite totalmente a pasto, com genética e manejo adequados, e isso é tarefa da Embrapa e dos parceiros. Temos pistas e respaldo tecnológico para criar um novo modelo baseado em pasto e genética para produzir um leite econômico e de qualidade não apenas para deixarmos de importar, mas talvez também para nos tornarmos um grande exportador”, afirmou, observando que a pecuária leiteira é a base da pecuária.
O pesquisador Roberto Alves, chefe geral da Unidade à época de inauguração do CTZL, em 2007, lembrou que o centro foi construído na área onde funcionava o antigo Sistema de Produção de Leite da Embrapa. “Tivemos que demolir alguns prédios condenados, reconstruímos outros e recuperamos todos os silos. Construímos alguns prédios do zero, como os laboratórios e o que nós estamos (auditório)”, disse.
“O difícil foi conseguir apoio e recursos. Várias pessoas ajudaram, mas há duas, em especial, que desde o início nos apoiaram: Rodolfo Rumpf (então pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia) e Rodrigo Rollemberg (à época, secretário nacional de Inclusão Social do Ministério de Ciência e Tecnologia e membro do Comitê Assessor Externo da Embrapa Cerrados), que eu chamo de amigo da Embrapa porque já ajudou vários centros de pesquisa”, afirmou, também citando como apoiadores o pecuarista Paulo Horta, a ABCZ, a Emater-DF, os Ministérios da Agricultura e Pecuária, do Desenvolvimento Agrário e de Ciência e Tecnologia, além do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Estou feliz por participar desta premiação. Desejo sucesso nos negócios de vocês e contem com o nosso apoio”, disse, agradecendo aos criadores e parceiros pela continuidade da parceria com o CTZL.
Já o pesquisador José Roberto Peres, que chefiava a Unidade em 2014, ano de início das provas no CTZL, considera um privilégio ter dado continuidade aos trabalhos do centro. “Tentamos dar sustentabilidade ao que foi iniciado pelo Roberto (Alves) e firmar a parceria com a ACZP”, disse, ressaltando que a produção de leite a pasto é a grande saída para a pecuária leiteira. “Para mim é uma satisfação. São 10 anos de sucesso, (a Prova) se tornou uma referência em produção de leite a pasto. E o CTZL é uma grande vitrine de transferência de tecnologia também para novas técnicas como a clonagem”, declarou.
Criador que contribuiu para o início da formação do rebanho de Gir Leiteiro do CTZL, Paulo Horta apresentou considerações a partir da experiência de 42 anos como selecionador de animais da raça. “Aprendi que controle leiteiro com menos de seis meses de lactação nada informa sobre o valor da matriz. Sei que o Gir foi trazido ao Brasil pela sua adaptação aos trópicos, e que lactações do nível de uma vaca Holandesa são artificiais. Sempre soube que a avaliação genômica tem só 60% de acurácia; ela deve ser realizada, mas dentro dos seus parâmetros, pois não se compara ao teste de progênie”, pontuou.
Horta manifestou confiança em iniciativas como a do CTZL – animais a pasto e com pequena suplementação – e ressaltou que o tipo de seleção científica realizada pelo centro deve ser difundido devido à credibilidade. “O resto é promoção, e devemos evitar atividades meramente promocionais. Fora da ciência, não há salvação”, ensinou.
Rodrigo Rollemberg lembrou que no tempo em que era secretário nacional de Inclusão Social do Ministério de Ciência e Tecnologia também foi presidente do Fundo Setorial do Agronegócio, do qual participavam como representantes de segmentos do agro o ex-presidente da Embrapa Silvio Crestana e o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli. “Foi dali que surgiu o CTZL”, recordou, contando como o centro começou a se tornar realidade: “Um dia, o Dr. Paulo Horta chega à Secretaria acompanhado do Hercílio (Matos, da Seagri-DF) e explicou a ideia de fazer o CTZL. Imediatamente, levamos a ideia ao Paolinelli e ao Crestana e a aprovamos, por unanimidade, no Fundo Setorial do Agronegócio”.
O secretário se prontificou a ajudar no enfrentamento dos próximos desafios que apontou para a cadeia produtiva do leite: o desenvolvimento de tecnologias para a mitigação das emissões de gás metano pelos bovinos; a transformação da pecuária leiteira em uma atividade competitiva, que produza leite mais barato associando genética e manejo do pasto; a produção de pastagens de boa qualidade a um custo mais baixo e com menos emissões de óxido nitroso, um dos gases de efeito estufa; e o uso de bioinsumos associados aos remineralizadores de solo como alternativa para a formação de pastagens mais baratas e adaptadas à realidade do produtor. “São desafios para a Embrapa e eu me coloco à disposição para contribuir para que o CTZL e a Empresa possam continuar cumprindo o papel importante para o desenvolvimento do País, especialmente da pecuária leiteira”, finalizou.
Também estiveram presentes Leizer Valadão, presidente da ACZP; Carlos Henrique Cavallari Machado, superintendente técnico adjunto de fomento da ABCZ; Eduardo Oliveira, diretor da ABCSindi e da FAPE-DF; e Maxmiliano Cardoso, zootecnista da Emater-DF.
O evento foi encerrado com a visita aos animais que estão participando da 9ª edição da Prova, que conta com 13 novilhas Gir Leiteiro, 13 Guzerá e sete Sindi. A 10ª edição está com inscrições abertas. Para mais informações, acesse a página da Prova.