A possibilidade de sempre existir o negativo gera insegurança e é isso que a Paula deseja combater assim que se formar como psicóloga
Na manhã desta sexta-feira (24), na sala de reunião da presidência da Casa do Povo, local amplo com uma grande mesa retangular de madeira, com capacidade para umas 18 pessoas, com cadeiras de rodinha na cor preta, Paula Silva Neres, mulher, branca, jovem de 21 anos, cega, cabelos cacheados, usando blusa branca com estampa floral, calça e máscara rosa, deu uma aula sobre inclusão e acessibilidade para o presidente da Câmara, Dr. Cassiano Maia, homem, branco, 45 anos, cabelo curto, usando máscara branca, óculos com armação preta, camisa xadrez e calça cinza.
Paula, que é autora do perfil @papodecego, no qual fala sobre inclusão e acessibilidade, compartilha dificuldades, angústias e faz desabafos, aceitou o convite do vereador Cassiano para uma conversa com ele e a equipe de comunicação do Poder Legislativo para nortear ações mais inclusivas, que estão em fase de teste, como a descrição de imagens e fotos nas mídias digitais da instituição. Pâmela da Silva Neres, irmã mais velha, acompanhou a reunião: “sou o cão-guia bravo dela”, brincou.
Quando se fala em acessibilidade, segundo Paula, a primeira coisa que se pensa é nas coisas físicas, em soluções materiais, como um livro em braile, uma rampa de acesso, “mas ter ajuda humana é fundamental. Na minha escola não tinha acessibilidade, mas tinha professores que estavam dispostos a ler o conteúdo para mim. E isso é uma questão cultural, por isso, é importante ter uma educação de acessibilidade”, defendeu.
“Inclusão é potencializar a pessoa com deficiência”, explicou Paula que, apesar das várias dificuldades encontradas, de todo o bullying que sofreu, demonstrou muito otimismo: “já ouvi dizer que não iriam tornar algo acessível por causa de apenas uma pessoa, já fui expulsa da aula por não acreditarem que tenho deficiência. Mas, eu prefiro falar mais das coisas positivas, pois as coisas negativas sempre vão existir”.
A possibilidade de sempre existir o negativo gera insegurança e é isso que a Paula deseja combater assim que se formar como psicóloga. “Penso em ajudar pessoas com deficiência visual, prestar um serviço de apoio, pois quem perde a visão, perde também a identidade. Eu era a ‘menina cega da psicologia’, por exemplo. Quero lutar pela causa. Pois sei que cada detalhe faz a diferença”.
Transformar em palavras
A Câmara Municipal de Três Lagoas pretende tornar sua comunicação um pouco mais acessível para pessoas com deficiência visual, por meio de um projeto que já existe nacionalmente e pode ser encontrado nas redes sociais por meio das hashtags #PraCegoVer ou #PraTodosVerem, por exemplo.
O projeto consiste em descrever as imagens para que possam ser lidas pelos aplicativos de celular que fazem a leitura de textos da tela para Pessoas com Necessidades Especiais (PNEs). “A maioria dos smartphones possui a função de acessibilidade, que altera configurações do aparelho para facilitar o seu uso para pessoas com diversos tipos de deficiência, como visual, auditiva e até motora. Porém, esses aplicativos não conseguem ler imagens e precisamos da ajuda humana para descrever, transformar as imagens em palavras”, explicou Paula.
Sobre como fazer a descrição, Paula orientou: “primeiramente, escrever qual o tipo de imagem (se é foto, desenho, gráfico); depois, cores de fundo e das letras e a informação principal. E como algumas descrições podem ficam grandes, nesses casos podem ser priorizadas algumas informações. No caso de pessoas, sempre começar pelo gênero e depois descrição física”.
Nada sobre nós sem nós
O lema das pessoas com deficiência é “Nada sobre nós sem nós”. Por isso, a Câmara busca se integrar com elas para poder entender a melhor forma de se tornar mais acessível. Por exemplo, no dia 02 de setembro, a instituição recepcionou funcionários e alunos da Apae.
“Inserir a descrição pode ser um detalhe tão pequeno, mas que faz muita diferença. E esse processo de adaptação nunca termina, é um aprendizado constante”, disse Paula que aceitou o convite em auxiliar a instituição nesse processo de inclusão. Ela encerrou parabenizando a Câmara pela iniciativa.